esse som de animal magoado enquanto eles dão voltas aos dias sem saberem das lágrimas que gritaram nem da voz que comeu a dor escondida na cave de cimento, onde se refugiou a esperança gelada e onde hoje gostariam de voltar
Pode ser estranho (ou tolo até) Pôr-me de frente para o mar a pensar nesse teu ser de planalto lá onde os olhos se perdem no horizonte e onde nascem freixos fortes amparados na bravura dos que os mantêm
Pode ser estranho (Ou tolo até) mas, tudo o que trago no olhar
é onde te vejo
Pode ser tolo (Ou estranho até) Mas é neste azul
que vejo a paz que me pintaste no horizonte (e só os pacíficos intranquilos se aventuram) e é neste azul dourado onde viaja o calor do teu carinho
que cabem todas as minhas lágrimas
sempre que as há
(Não é tolo e tu sabes bem) Só nos olhos de quem sonha se pode fazer crescer mais um sonho Só nos olhos de quem pensa se pode desenvolver o pensar Só nos olhos de quem arrisca se aprende a ganhar coragem
Pode ser tolo (ou estranho até) para ti que te vês de frágil e eu que te vejo de força para ti que te vês pequena e eu que te vejo imensa para ti que te vês medrosa e eu que te vejo capaz
Descobri-te! (por esta não contavas tu) Atrás dessa cortina que trazes (ou que o mundo te foi pondo) ainda estão os sonhos ainda te sei as vontades ainda nascem desafios ainda medram vitórias
Ensinaste-me a dar graças com essa bondade natural sem maquilhagem de altruísmo forçado onde só olhos de brilho (aqueles que nunca perderam a verdade de ver além) te encontram nesse sentido tão puro
Ensinaste-me a cantar e a querer inventar mais canções Sorriste de volta em cada nota desafinada e em cada história desencantada (lá onde os sorrisos validam o ser)
Há reflexos teus na ondulação nessa doçura da irregularidade (superfícies planas magoam-me os olhos) E tu (sim tu não vires a cara!) fazes-me amar a imperfeição
Parece estranho (ou muito tolo até) mas é nessa verdade
que aprendo a amar os precalços
e a não apedrejar o futuro É onde se mostram os dentes e se sabe voltar a sorrir é onde se permite o ódio
Quantas vezes a sentimos e quantas vezes a negligenciamos. A inquietação é remetida para o nosso interior, para o mais interno da nossa vida física e emocional. Tem raízes no corpo, embora se origine na mente. Entra-nos nos músculos, electrifica-os, acumula energia em forma de tensões, de dores impulsionadoras de corridas desenfreadas, mas sem rumo, não deixa parar, não deixa recuperar, não...
É difícil aguentá-la, à inquietação, sobretudo se não lhe soubermos a presença. Aloja-se nos pulmões, na garganta, oprime, mais do que deixa exprimir, respira-nos, sem nos deixar respirar. Intranquilamente inquietos... Por não lhe sabermos o paradeiro.
O inquieto, aquele que sofre da inquietação, não pára, produz, é socialmente aceite na sua inquietação - não usa o seu leme, mas o leme da multidão. A inquietação é camuflada em hipermovimentação, em hiperaceleração, em hiperdesumanização. O interior inquieto é escondido pelo orgulho irremediável do infalível.
Que ninguém lhes olhe o interior inquieto! Ao serem percebidos, os inquietos indefinidos, sorrir-vos-ão de forma ansiosa, desconcertar-vos-ão nas vossas certezas. Socialmente simpáticos, actores exímios da firmeza que não sentem, do bem-estar de que não são donos, marcham firmes no que a sociedade lhes pede.
Esta sociedade não é para frágeis. O que os inquietos indefinidos não sabem, é que não são frágeis, nem sabem que há mais como eles, onde se poderiam amparar caso se auto-revelassem.
Não sabendo identificar o que sentem, ou negando a tal inquietação, com vergonha própria por serem únicos na insatisfação, afastam tranquilidades por não terem tranquilidade para sentir.
É mais fácil ignorá-la, à inquietação. Não vá ela fugir-nos do interior e espelhar-se nos rostos dos que nos rodeiam. Se nos sabem inquietos, podem saber-nos falíveis e, neste mundo, o falível pode ser comido vivo, mastigado e cuspido após alguma refeição satisfatória para quem se alimentou. Assim pensamos...
Andamos todos bem, somos todos incríveis, temos de o ser. Espera-se resistência, igual à das máquinas de metal, esperam-se poucos erros de mecânica emocional, deus nos livre, essa leva muito tempo a ser curada, e tempo, ah esse não temos obrigada. Sintam-se pressionados a não saber de onde vem a inquietação.
A inquietude pode abrir-vos as goelas se a identificarem, pode desbloquear-vos a rotina e ser inconveniente aos olhos daqueles que estão por cima nesse prédio social. É melhor ignorá-la, é sim senhor, ou ainda acabamos lixados e mal-sucedidos, alienados do estatudo de pessoa impecável - que agrada a todos menos a si, tão favorável no mundo das hierarquias. Estamos sempre bem, obrigada... Não lhe ponhamos nome, às nossas ansiedades, demitamo-nos de pensar. Inquietos, mas sem o saber. Hiperactivos, sem calma no pensar.
A inquietação suspira-se, coloca-nos no amanhã incerto, desapega-nos do conforto e alerta-nos para o pouco certo de tudo o que nos envolve.
A inquietação faz-nos mágicos no pensamento, coloca a certeza na existência da premonição. Porquê? Não sei. Não sei ainda. Mas há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber... E cheios de energia, inquietos, cansamo-nos, esgotamo-nos, descontrolamo-nos no básico do ser. Engordamos, emagrecemos, transpiramos, congelamos, emudecemos, não nos calamos, fugimo-nos...
Da inquietação sabemos pouco, até porque para a sabermos, teremos de saber do que somos e para isso não fomos treinados. A inquietação não tem nome, viaja na ansiedade, esconde-se na fragilidade do conhecimento, ocupa-nos sem lhe sabermos o porquê.
Da inquietação pouco sabemos, mas também é difícil saber de algo, quando não aprendemos a saber ler o que trazemos connosco, na pele, no estômago, nos músculos, na garganta, na respiração.
Se os inquietos soubessem que podem fazer uso positivo das suas inquietações, qual trampolim de lançamento para a acção estruturada ou para a aceitação apaziguadora, caíam as armaduras por terra e seria a salvação do genuíno. Se não lhe soubermos a morada nem o nome, não a aprendemos a usar. Nem saberemos como agir. Esconde-se bem a inquietação! Rasteja-nos e consome-nos, ocultando-nos o amor auto-punitivo que nos tem. Se a deixássemos revelar-se e a usássemos, seria o seu fim, a nossa tranquilidade.
Neste ser estoico e marmóreo, inquieto sem o saber, não há lugar para a poesia.
O que é certo, é que ao senti-la, à inquietação, não há como deixar de a usar. E é bom, mesmo quando não o é.
“Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer Qualquer coisa que eu devia resolver Porquê, não sei Mas sei Que essa coisa é que é linda...”