Sampling
Queria que ao longe me ouvisses os olhos recém enevoados
onde de repente mora a Saudade que vem à tona das lonjuras
e onde eu deito a cabeça
bem devagar, nessa almofada do sofá
que de súbito é o teu colo
onde os pés estão virados para a lareira
e o olhar, esse demora-se no relógio de pêndulo
num oscilar crescente dando corda aos centímetros dos meus ossos.
E é aí, quando finalmente já não caibo no sofá,
que abres a porta de casa e vais à janela
enquanto eu viro costas e saio com o entusiasmo na mochila.
E tu continuas à janela
com esses olhos de lonjuras que nunca te cheguei a ver
Desculpa, ia de frente para a vida
e tu, sempre de olhos na minha alegria
Nunca te vi a expressão,
mas tenho esta a fotografia que te fiz
De costas, é verdade, como pode ser?
Soa a mistério genético ou a química transcendental
Coisa para arrepiar homens das ciências
e a mim, que gozava da prepotência
de pensar no amor como produto de neurotransmissores
É verdade
nunca olhei para trás para te saber à janela,
e hoje trago nos olhos esse retrato que te fiz
cheio de luz, contraste e definição
Imagine-se!
E sem nunca precisar de reveladora.
Trago a névoa que trazias aos olhos da janela,
e trago no rosto a expressão que me pintaste
e as palavras que um dia pensei de zanga:
Nunca, nunca hei-de ser assim!
Pois é,
parece que a tua pintura
virou sample de música electrónica
e agora
é a tua expressão reinventada na minha pele
e música transgeracional a ecoar na varanda da minha casa.