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ruído

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Empatia: ou a falta dela

por Joana Raposo Gomes, em 10.11.16

 

 

O Trump chegou ao poder. Revoltamo-nos. Amamo-nos na nossa revolta, neste nosso pensar coletivo e integrador. O Trump é horroroso. Choramos. Sentimos intensamente na rede virtual. Mas rápido, que temos é de trabalhar hoje para curtir dois dias amanhã. Não votámos nas eleições do nosso país. Que se lixe. Não valem nada. São todos iguais.

Mas hoje é um novo dia. Já ninguém fala do Trump. Claro, temos mais com que nos preocupar e eles, os diferentes de nós, são todos burros. Toca a andar!

Sente-se o fluir de uma rapidez sem sustento. Rápidas as opiniões, como rápidos os tempos. Rápido o sentir. Superficial o auto-conhecimento. Depressa, rápido, mas sem tempo de valor. A toda a velocidade, não importa quem se nos ponha à frente.

Onde anda a empatia?

A simpatia? É o que mais temos! Sempre sorridentes, sempre cheios de amor!

Não. Onde pára a Empatia? Aquela coisa que se desenvolve frente a frente. Primeiro de pais para filhos. Depois, de pessoa social em pessoa social.

A construção empática surge da necessidade de cooperação, de validação e de reconhecimento, que todos, em algum momento das nossas vidas, sentimos como essencial. É algo que, com o evoluir da humanidade, já transportamos no código genético, por nos ser favorável. A empatia, esse ser em risco de mutação. Essa coisa que só compreendemos se tivermos de conhecer a presença de um outro. Mas nós conhecemos tanta gente, não é? Conhecemos tanto mundo! Tanto e tão pouco. Quanto mundo conhecemos na essência? Isso leva tempo. Tempo que não temos, que não procuramos ter, ou que não nos dão. A empatia é um código humano em jeito de cola social.

Desde a revolução industrial que passámos a conviver com um novo código de linguagem. A máquina entrou-nos na rotina e com ela, surgiram outras perspetivas. Rápido e fácil. Andemos para a frente!

Com máquinas não necessitamos de empatizar - embora possamos, mas isso será outro assunto.

Os circuitos da máquina e da tecnologia trouxeram-nos um ganho na fração tempo/eficácia, o tempo passa a ser vendido como necessariamente rápido. Inundam-nos com a ideia de não haver tempo a perder, obrigam-nos a aceitar que tempo é dinheiro, que eficácia é inversamente proporcional ao tempo, que temos de amar a produtividade acima de todas as coisas. Acima de mim, acima de ti. Globalizem-se! Andem! Não se fixem! Produção, meus caros! Economia sempre a crescer! Nesse caminho, facilmente se odeia a expetativa, a espera, a dificuldade. Tudo passa a ser perspetivado como fluido, sem espinhas, sem necessidade de construir de forma sólida. Contornamos o problema, fugimos, saiam-nos da frente que vamos a todo o gás. E se falha o combustível? Se nos esgotamos? Quem nos valerá se não nós próprios? E nesse desamparo, como será um encontro connosco, se andamos a correr e pouco nos conhecemos? Haverá empatia nas amizades rápidas?

Com esta rapidez socialmente incutida, não nos vamos tolerar, suportar ou compreender. Não vamos ter calma para nos olharmos, para sabermos de nós. Perderemos a nossa Saúde Mental.

A compaixão pela empatia, corre o risco de não ser mais do que uma sombra do passado, do qual se fará escárnio por não se compreender. Se não se necessita não se treina, e se não se treina perde-se função. O individualismo narcísico e vazio, será um produto maquinal da ausência de inteligência emocional, onde reinará quem melhor manipular o sistema.

Sem empatia, por não necessitarmos dela.

Sem que exista balanço entre as palavras humanas, aquelas com pele, com expressão, calor e respiração, e as palavras digitais, aquelas de gratificação rápida, imediata, mutável, efémera.

Será mais fácil consumir psicoestimulantes. Todos ficaremos mais descansados, pais, médicos, filhos. Sinal dos tempos, siga para a frente! A pressão é enorme e é muito difícil de gerir.

Sem tempo, sempre a fugir, pouco saberemos da frustração. Se não a reconhecermos, também não a vamos saber tolerar. Ou lhe fugimos ou nos angustiamos de morte. E, sem sabermos porquê, o corpo pagará em lugar do pensamento. Este evoluir sustenta-se no ultra-rápido, no perfeccionismo, na intransigência.

Sem empatia, não haverá responsabilidade interpessoal. Estaremos seriamente na boa, nós e a nossa circunstância, até ao dia em que o céu nos caia em cima, ou até ao dia em que o Trump nos caia aqui ao lado e com ele, o nosso interior se abale e nos faça desesperar de medo ou incompreensão. Por pouco tempo, por não haver tempo a perder. Sem pensarmos na origem do mal-estar que nos levou a indignar tão fortemente com uma realidade sonhada no cinema.

Deixemo-los vir: o futuro, a tecnologia, a novidade, o Trump, os outros e os nossos, mas salvemos o que nos torna distintos: o calor dos afetos e a produção Humana desse sentir. Só assim nos encontraremos com a empatia e nos conseguiremos opor à perversidade dos irresponsáveis sociais.

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