desta inquietude oculta...
A inquietação...
Somente inquietação. Porquê não sei, não sei...
Quantas vezes a sentimos e quantas vezes a negligenciamos. A inquietação é remetida para o nosso interior, para o mais interno da nossa vida física e emocional. Tem raízes no corpo, embora se origine na mente. Entra-nos nos músculos, electrifica-os, acumula energia em forma de tensões, de dores impulsionadoras de corridas desenfreadas, mas sem rumo, não deixa parar, não deixa recuperar, não...
É difícil aguentá-la, à inquietação, sobretudo se não lhe soubermos a presença. Aloja-se nos pulmões, na garganta, oprime, mais do que deixa exprimir, respira-nos, sem nos deixar respirar. Intranquilamente inquietos... Por não lhe sabermos o paradeiro.
O inquieto, aquele que sofre da inquietação, não pára, produz, é socialmente aceite na sua inquietação - não usa o seu leme, mas o leme da multidão. A inquietação é camuflada em hipermovimentação, em hiperaceleração, em hiperdesumanização. O interior inquieto é escondido pelo orgulho irremediável do infalível.
Que ninguém lhes olhe o interior inquieto! Ao serem percebidos, os inquietos indefinidos, sorrir-vos-ão de forma ansiosa, desconcertar-vos-ão nas vossas certezas. Socialmente simpáticos, actores exímios da firmeza que não sentem, do bem-estar de que não são donos, marcham firmes no que a sociedade lhes pede.
Esta sociedade não é para frágeis. O que os inquietos indefinidos não sabem, é que não são frágeis, nem sabem que há mais como eles, onde se poderiam amparar caso se auto-revelassem.
Não sabendo identificar o que sentem, ou negando a tal inquietação, com vergonha própria por serem únicos na insatisfação, afastam tranquilidades por não terem tranquilidade para sentir.
É mais fácil ignorá-la, à inquietação. Não vá ela fugir-nos do interior e espelhar-se nos rostos dos que nos rodeiam. Se nos sabem inquietos, podem saber-nos falíveis e, neste mundo, o falível pode ser comido vivo, mastigado e cuspido após alguma refeição satisfatória para quem se alimentou. Assim pensamos...
Andamos todos bem, somos todos incríveis, temos de o ser. Espera-se resistência, igual à das máquinas de metal, esperam-se poucos erros de mecânica emocional, deus nos livre, essa leva muito tempo a ser curada, e tempo, ah esse não temos obrigada. Sintam-se pressionados a não saber de onde vem a inquietação.
A inquietude pode abrir-vos as goelas se a identificarem, pode desbloquear-vos a rotina e ser inconveniente aos olhos daqueles que estão por cima nesse prédio social. É melhor ignorá-la, é sim senhor, ou ainda acabamos lixados e mal-sucedidos, alienados do estatudo de pessoa impecável - que agrada a todos menos a si, tão favorável no mundo das hierarquias. Estamos sempre bem, obrigada... Não lhe ponhamos nome, às nossas ansiedades, demitamo-nos de pensar. Inquietos, mas sem o saber. Hiperactivos, sem calma no pensar.
A inquietação suspira-se, coloca-nos no amanhã incerto, desapega-nos do conforto e alerta-nos para o pouco certo de tudo o que nos envolve.
A inquietação faz-nos mágicos no pensamento, coloca a certeza na existência da premonição. Porquê? Não sei. Não sei ainda. Mas há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber... E cheios de energia, inquietos, cansamo-nos, esgotamo-nos, descontrolamo-nos no básico do ser. Engordamos, emagrecemos, transpiramos, congelamos, emudecemos, não nos calamos, fugimo-nos...
Da inquietação sabemos pouco, até porque para a sabermos, teremos de saber do que somos e para isso não fomos treinados. A inquietação não tem nome, viaja na ansiedade, esconde-se na fragilidade do conhecimento, ocupa-nos sem lhe sabermos o porquê.
Da inquietação pouco sabemos, mas também é difícil saber de algo, quando não aprendemos a saber ler o que trazemos connosco, na pele, no estômago, nos músculos, na garganta, na respiração.
Se os inquietos soubessem que podem fazer uso positivo das suas inquietações, qual trampolim de lançamento para a acção estruturada ou para a aceitação apaziguadora, caíam as armaduras por terra e seria a salvação do genuíno. Se não lhe soubermos a morada nem o nome, não a aprendemos a usar. Nem saberemos como agir. Esconde-se bem a inquietação! Rasteja-nos e consome-nos, ocultando-nos o amor auto-punitivo que nos tem. Se a deixássemos revelar-se e a usássemos, seria o seu fim, a nossa tranquilidade.
Neste ser estoico e marmóreo, inquieto sem o saber, não há lugar para a poesia.
O que é certo, é que ao senti-la, à inquietação, não há como deixar de a usar. E é bom, mesmo quando não o é.
“Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda...”